O que a Bíblia diz sobre dízimos e ofertas?


“Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa...” (Malaquias 3.10a)

“Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria.” (2 Coríntios 9.7 – NVI)




Um dos maiores problemas que temos enfrentado nos dias de hoje em consequência do que tem sido pregado e ensinado nos púlpitos “evangelicais”, é a questão dos dízimos e ofertas. Muitas igrejas têm negociado o evangelho e estão vendendo a salvação. Em uma espécie de venda de “indulgências dos tempos modernos”, milhares de pessoas acreditam que estão comprando as bênçãos do Senhor, por valores caríssimos, tanto para quem compra, como para igreja cristã, que no final é quem paga a conta, pois perde a essência, o respeito, a dignidade e o foco, que deve ser somente Cristo. É necessário voltarmos urgentemente ao verdadeiro evangelho.[1]

Diante desse cenário, o assunto “dízimos e ofertas” tem sido cheio de controvérsias, pois muitas igrejas assumem posições erradas, e muitos ditos “pastores”, oportunistas e salafrários, mercadejam (comercializam) a Palavra (cf. 2 Co 2.17), e usam a igreja como meio de consumo próprio, como lobos vorazes e salteadores implacáveis. Contudo, “o uso indevido de algo não anula seu uso correto”, e, por isso, é importante nós não apenas entendermos o que a Bíblia diz sobre o assunto, mas também nos posicionarmos de forma correta para podermos continuar adorando a Deus com fidelidade também neste aspecto de nossas vidas.  

No Antigo Testamento, isto é, antes da vinda de Cristo, há muitos textos que falam sobre dízimos e ofertas que deveriam ser trazidos diante de Deus pelo povo (cf. Lv 27.30-33; Nm 18.21-24; Dt 14.22-27, 28-29, Ne 12.44; Ml 3.8-12). Antes mesmo de Moisés receber a lei de Deus e dá-la ao povo de Israel, há ocorrência de Abraão e Jacó dando o dízimo por livre vontade e voluntariedade, uma vez que a lei ainda não foi dada (cf. Gn 14.17-20; Gn 28.20-22). Doavam com o mesmo sentimento de Abel, ao oferecer a Deus as “primícias de seu rebanho” em adoração ao Senhor (cf. Gn 4.4[2]). Assim, dar o “dízimo” era tanto um ato civil e cerimonial por causa da lei (civil, pois servia para o sustento de uma das tribos de Israel; e cerimonial, pois era um aspecto do culto no Antigo Testamento prescrito pela lei), como também um ato moral e espiritual[3] (pois diz respeito a dar as primícias a Deus em adoração e demonstrar a não idolatria ao dinheiro). Apesar disso, nos dias atuais ainda surgem questões com respeito à validade e continuidade dos dízimos e ofertas após a vinda de Jesus.

No Novo Testamento o termo “dízimo” aparece apenas três vezes, uma em Mateus 23.23[4], onde Jesus afirma que os escribas e fariseus são hipócritas ao darem o dízimo até da hortelã, do endro e do cominho, e negligenciam preceitos mais importantes da lei, a saber: “a misericórdia, a justiça e a fé”. Jesus conclui dizendo que eles deveriam continuar dando o dízimo, sem deixar de se exercitarem na fé, na justiça e na misericórdia. Aqui Jesus vai contra a religiosidade vã e a vanglória no doar (farisaísmo). Ele aponta também ao perigo da terceirização da misericórdia, isto é, os fariseus davam dízimo em grandes quantias, mas não se exercitavam na justiça, misericórdia e fé. Jesus não proíbe o dar o dízimo, mas pede para não negligenciar as coisas mais importantes.

Em Lucas 18.12, há a menção do termo “dízimo” na oração do fariseu, que se justificando diante de Deus diz que dá o dízimo de tudo quanto possui. Neste contexto, mais uma vez Jesus está refutando o farisaísmo, isto é, o dar com intuito de se tornar justo e aceitável diante de Deus, para poder barganhar com Deus a salvação e suas bênçãos. Portanto, no texto de Lucas 18.12, Jesus refuta a autojustiça e a vanglória presente em uma religiosidade vã, onde não há o conceito da graça de Deus, e da salvação como presente de Deus aos que tem fé (não por obras), mas há o entendimento de ter que merecer a salvação e as bênçãos por meio da justiça própria. O dízimo, neste caso errôneo, se torna uma forma de comprar as bênçãos de Deus, como se tem feito na igreja dos dias de hoje.

Em Hebreus 7.1-10 está a última ocorrência do termo “dízimo”, que aparece nessa passagem seis vezes. O contexto dessa passagem é de Abraão ter dado o dízimo à Melquisedeque (Gn 14.17-20), e o objetivo do autor é mostrar a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico e, portanto, exortar seus leitores para não retrocederem às suas formas judaicas de adorar, repletas com seus rituais e sacrifícios. Esta passagem, assim, não está exortando os cristãos do Novo Testamento a darem o dízimo como Abraão o fez. Ao contrário, está ensinando os crentes a compreenderem a excelência de Cristo, e por causa dele a não necessidade mais de oferecer sacrifícios e de fazer rituais judaicos.  Contudo, o texto dá a entender por inferência, que no versículo 8[5] estes homens que recebem o dízimo eram atuais, isto é, do período da escrita da epístola aos Hebreus, apontando para uma continuidade de dar o dízimo, mas orientado por um princípio diferente da tradição judaica.

O princípio diferente da tradição judaica e da religiosidade da época é esclarecido no Novo Testamento, chamado de mistério de Deus revelado a nós, conforme Colossenses 1.26. Este princípio está presente no Antigo Testamento, mas não de forma tão clara como no Novo Testamento, e difere do entendimento do legalismo religioso que não consegue interpretar direito nem o Antigo, nem o Novo Testamento. Este é o princípio da “graça”, que já mencionamos, onde a salvação não nos é dada por obras que fazemos, ou por nossa bondade e justiça própria, e, sim, nos é dada pela graça, como um presente de Deus àqueles que têm fé em Jesus Cristo (cf. Ef 2.1-10; Tt 3.4-8). Sendo assim, as virtudes cristãs, as boas obras, a santificação e a obediência a Palavra, não são feitas como um meio de ser salvo, ou aceitável diante de Deus, mas sim, em resposta a salvação já recebida, como consequência da obra de Cristo e em gratidão e adoração a Deus por ela.

Este princípio da graça que motiva a adoração e as boas obras é o que está presente no entendimento do Novo Testamento sobre “ofertar a Deus as primícias” (apesar de também estar no Antigo Testamento, agora vem de forma mais clara). Por isso, no Novo Testamento, o termo “dízimo” é menos usado, e passa-se a usar o termo “ofertas”, que demonstram voluntariedade, gratidão, alegria e amor, e não meramente obrigação. Antes de continuar, vamos definir os termos: (1) Dízimo significa décimo, isto é, a décima parte, ou dez por cento de algo. Assim dar o dízimo é dar dez por cento de um valor recebido; (2) Ofertas, ao contrário, não há valor determinado, são feitas de forma voluntária. Estas se assemelham a um presente dado à alguém em gratidão por algo, e quando dadas a Deus demonstram o tamanho de nossa gratidão por Cristo Jesus e sua salvação.

A motivação sempre é “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de nós, para que, pela sua pobreza, nos tornásseis ricos” (2 Co 8.9). Não é obrigação, mas ato de amor, Paulo mesmo diz :“Não vos falo na forma de mandamento, mas para provar, pela diligência de outros, a sinceridade do vosso amor” (2 Co 8.8); e ainda: “Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria.” (1 Co 9.7 – NVI). 

Assim, em 2 Coríntios 8 e 9, aprendemos que devemos doar não por obrigação, mas de coração, com generosidade e proporcionalmente aquilo que temos recebido de Deus (conforme a sua prosperidade – 1 Co 16.1-2[6]). Isto é, aqueles que Deus mais tem dado recursos, doam mais conforme aquilo que receberam, e a promessa de prosperidade aos que doam em 2 Coríntios 9 é “a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra” (v.8), isto é, para poder doar mais e abençoar mais a obra do reino de Deus.

Timothy Keller em seu livro “falsos deuses”, quando está expondo sobre a idolatria ao dinheiro, diz que muitas pessoas chegam até ele e pergunta se é obrigatório dar o dízimo hoje. E ele responde em negação dizendo que não é obrigatório. E, quando estas pessoas respiram aliviadas ele continua com uma pergunta: “Contudo temos recebido mais ou menos da graça de Deus do que os irmãos do AT?[7] Cristo deu toda sua vida ou parte dela por nós? Keller conclui mostrando que o dízimo vem a ser apenas um princípio mínimo, isto é, se for dar que seja pelo menos dez por cento e não por obrigação, mas por gratidão, em resposta a graça divina. Desta forma, não podemos deixar que a noção de dar dez por cento de nossa renda (dízimo), transforme nosso doar em uma atitude morta, insensível e sem alegria, pois o princípio mais importante é o dedicar as primícias a Deus (e não o valor) em adoração, como prova que não idolatramos o dinheiro. Sendo assim, dízimo é apenas a quantidade mínima quando pensamos em doar, isto é, devemos entender que quando doamos, ofertamos de coração a Deus, e o valor deve ser algo dado de coração com generosidade, proporcionalidade e gratidão, para não moralizarmos de forma legalista os dez por cento habituais.

Antes de concluir, surge uma pergunta, em que os dízimos e as ofertas serão usados? Estes serão usados para a assistência da igreja e o cuidado dos que tem necessidade (cf. At 2.44-45; At 6; Tg 1.24; 1 Jo 3.17); e, no sustento de missionários e presbíteros de dedicam ao ministério do ensino e da pregação (isto é, pastores) (cf. 1 Tm 5.17-18[8]; 1 Co 9.6-14; Fp 4.15-18).

Por fim, em Marcos 12.41-44 vemos Jesus observando as pessoas trazerem suas ofertas ao gazofilácio (urna onde são depositadas as ofertas). Neste texto algo muito significativo está acontecendo, vemos o interesse de Jesus pela sinceridade das pessoas no ato de ofertar. E, podemos dizer com toda certeza que, hoje ele também nos observa quando nos levantamos para ofertar em sua presença. Naquela ocasião ele percebeu uma viúva pobre que depositou ali duas pequenas moedas, e suas Palavras com respeito à oferta da viúva foi: “Em verdade vos digo que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela porém, da sua pobreza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento.”

Doe com generosidade, proporcionalidade, amor e gratidão! Você tem adorado a Deus com seus dízimos e ofertas?




[1] Revista ultimato – “as Igrejas Mercado” e os crentes enganados.”
[2] “Abel, por sua vez, trouxe das primícias do seu rebanho e da gordura deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta;”
[3] “... o dízimo não é uma questão meramente financeira, mas também espiritual” (Hernandes Dias Lopes).
[4] “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!
[5] “Aliás, aqui são homens mortais os que recebem dízimos, porém ali, aquele de quem se testifica que vive.”
[6] “Ora, quanto à coleta que se faz para os santos, fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas da Galácia. 2 No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que não se façam as coletas quando eu chegar."
[7] A resposta a essa pergunta é que temos recebido mais, porque vivemos após a vinda de Cristo, e temos o Espírito Santo em plenitude sobre nós, sem contar toda a revelação da vontade de Deus, escrita em um livro que chamamos de Bíblia Sagrada.
[8]“Os presbíteros que administram bem a igreja são dignos de dobrados honorários, principalmente os que se dedicam ao ministério da pregação e do ensino. Porquanto, afirma a Escritura: ‘Não amordaces a boca do boi quando estiver debulhando o cereal’, e ainda, ‘digno é o trabalhador do seu salário’.”


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