Sacramentos: sinais da aliança e meios de graça
OS
SACRAMENTOS: NÃO MERAMENTE RITOS MEMORIAIS, MAS MEIOS GALARDOADORES DA GRAÇA DE
DEUS AO SEU POVO.
1. INTRODUÇÃO
O
termo “sacramento” (sacramentum), não
é bíblico, mas passou a ser usado, em meados do século III, em conexão com o
batismo e a ceia. O termo descrevia, a princípio o juramento de lealdade que um
cristão fazia, semelhantemente ao juramento que o saldado romano prestava. E
com o tempo, o termo veio significar “um sinal visível de uma graça invisível”
(FERREIRA; MYATT, 2007, p. 934).
Sendo
assim, uma boa definição de “Sacramento”, segundo Berkhof (2007, p.570), é:
Um sacramento é uma santa ordenança
instituída por Cristo, na qual, mediante sinais perceptíveis, a graça de Deus
em Cristo e os benefícios da aliança da graça são representados, selados e
aplicados aos crentes, e estes por sua vez, expressam sua fé e fidelidade a
Deus.
Contudo, apesar que nas
ramificações cristianismo da atualidade haver um consenso que o sacramento é
uma santa ordenança instituída por Cristo, há divergências quanto quais são as
ordenanças, e se essas ordenanças são simplesmente mero ritos memoriais ou há
algo mais. Esta discussão encontra suas raízes na reforma protestante, devido à
quebra do conceito Católico sobre os sacramentos, e por isso, posições
diferentes quanto à ceia, por parte dos reformadores: Lutero, Zuinglio,
Calvino. E mais especificamente, as raízes do problema quanto se é somente
memorial ou algo mais, está no colóquio de Marburg, onde dois líderes da
reforma protestante divergiam quanto à questão da ceia (MATOS, 2008, p. 152-53).
Esta discussão é bem
presenta na contemporaneidade, há ainda vertentes dessa matéria no entendimento
da ceia feita pela igreja Batista que se contrapõe quanto à igreja
Presbiteriana, e ambas se contrapondo contra o Luteranismo e o Catolicismo
Romano. Em razão disso, faz necessário primeiramente mostrar as concepções
históricas sobre os sacramentos, para então mostrar a solução desta questão.
2. CONCEPÇÃO
HISTÓRICA DOS SACRAMENTOS
Há
diferentes concepções dos sacramentos, que são evidenciadas respectivamente por
grupos cristãos distintos. Tais concepções, que tem raízes históricas, derivam
também do entendimento teológico da obra de Cristo e Espírito Santo, e da
Igreja. Sendo assim, é possível observar, de modo geral, quatro concepções dos
sacramentos, são elas: a concepção católica romana (meios de salvação, transubstanciação);
a concepção luterana (meio de graça, consubstanciação); e a concepção zuingliana
(somente memorial); e, a concepção reformada (meio de graça, memorial como selo
da aliança).
2.1. Concepção
católica: meio de salvação e transubstanciação:
A concepção católica
Romana, é que os sacramentos são “meios de salvação”. E desta forma, os
sacramentos dentro do catolicismo romano, se definem por meio da expressão
latina ex opere operato. Esta
“significa literalmente “realizado por obra”, e quer dizer que os sacramentos
atuam em virtude da atividade que é de fato realizada, e que o poder dos
sacramentos não depende [...] de quem deles participa” (GRUDEM, 1999, p. 831).
Depois do Concílio de
Trento, “a igreja católica identificou sete sacramentos, embora não existisse
base bíblica para considerá-los sacramentos”. (FERREIRA; MYATT, 2007, p. 934).
Mas sendo destacado neste estudo somente o Batismo e a Santa Ceia, observa-se que estes não são tratados pela igreja romana apenas como ritos memoriais, mas
há um elemento a mais, que é a salvação, expressa no batismo como regeneração,
e na ceia como o perdão do pecado.
Assim, primeiramente, o
batismo para os católicos romanos tem identidade com a “regeneração”. E, ele é
absolutamente necessário para todos, para salvação, porque é o sacramento da
regeneração. E a Ceia do Senhor, relaciona-se com o sacrifício de Cristo, e a
doutrina da transubstanciação. Esta doutrina foi promulgada no Quarto Concílio
de Latrão, ocorrido em 1215, e afirma que “quando o sacerdote consagra os
elementos, nestes ocorre uma verdadeira mudança metafísica [...] Cristo, está
por inteiro plenamente presente em cada partícula [dos elementos]” (FERREIRA;
MYATT, 2007, p. 942).
Assim a ceia do Senhor
abrange um ato sacrificial. E os elementos da Ceia do Senhor, são consagrados
modo que estes assumiram o caráter de um sacrifício apresentado pelo sacerdote.
Em razão disso, os leigos, são afastados do cálice, porque este deve ser tomado
todo, e não pode haver derramamento do sangue de Cristo, para que não seja
sacrilégio (BERKHOF, 2009, p. 571, 596; FERREIRA; MYATT, 2007, p. 942).
2.2.
Concepção luterana: meios de Graça e consubstanciação
O reformador Martinho
Lutero se contrapondo à igreja romana e biblicamente orientado, reduziu os a
dois: batismo e Santa Ceia. Rejeitou a concepção dos sacramentos ex opere operato, isto é, que os
sacramentos funcionam automaticamente. E afirmou que os sacramentos pressupõem
a fé. Contudo Lutero e não se desfez inteiramente da concepção católica romana
dos sacramentos. No Batismo, apesar de ter ele abandonado a doutrina do batismo
como ato regenerador, trouxe um conceito semelhante a “regeneração batismal”
católica. Berkhof (2009, p. 579) expõe a concepção de Lutero da seguinte forma:
Para Lutero, a
água do batismo não é água comum, mas uma água que, mediante a Palavra com seu
poder divino inerente, veio a ser uma água da vida, cheia de graça, um
lavamento de regeneração. Por esta eficácia divina da Palavra, o sacramento
efetua a regeneração.
Em outras palavras “o
batismo, celebrado e recebido com fé, justifica o pecador mediante a Palavra de
Deus misteriosamente ligada à água, conferindo o completo perdão dos pecados” (MATOS,
2008, p. 146-47). E, portanto, para o luterano o batismo é um meio de graça
salvadora, diferindo muito pouco da concepção católica (FERREIRA; MYATT, 2007,
p. 938).
E quanto a Ceia do
Senhor, Lutero insistia na interpretação literal das palavras da instituição e
na presença corporal de Cristo na Ceia do Senhor. Contudo, substituiu a
doutrina da transubstanciação pela da consubstanciação, segundo a qual Cristo
está “em, com e sob” os elementos. Apoiando-se nas palavras de Cristo (“Isto é
o me corpo”) Lutero insistiu em que tanto o alimento físico quanto o corpo
humano glorificado de Cristo alimentam os fiéis na refeição sacramental. Em
síntese na concepção luterana, os sacramentos são meios “da graça salvadora e
de remissão dos pecados aos membros da igreja” (FERREIRA; MYATT, 2007, p. 938;
MATOS, 2008, p.147).
2.3.
Concepção zuingliana: somente memorial:
O maior opositor de
Lutero foi o reformador suíço Ulrico Zuínglio. Que em 1529, no Colóquio de
Marburg, divergiu sobre a concepção da Ceia. Zuínglio negava absolutamente a
“presença real” do corpo de Cristo na ceia, reduzindo este sacramento a apenas
um memorial da morte e ressureição de Cristo. Para este fim, ele utiliza o
texto de Jo 6.63, e a argumentação que o corpo glorificado de Cristo está localizado
espacialmente no céu, e não sendo onipresente, não existe a presença física de
Cristo na Ceia. Com “o passar do tempo, o termo “zuingliano” passou a designar
apenas o entendimento memorial da ceia do Senhor” (BERKHOF, 2009, p. 596;
MATOS, 2008, p. 152-53; FERREIRA; MYATT, 2007, p. 938).
Argumentando assim, Zuínglio coloca os
sacramentos, de forma geral, apenas como ritos memoriais, que também servem de
testemunho de fé diante da Igreja. E da mesma forma, ele entendia o batismo
como um mero rito, que simbolizava a iniciação do indivíduo a fé Cristã. Este
conceito, ainda é utilizado pelos Batistas que dizem que o batismo é um sinal
da salvação. E “é [somente] o rito de iniciação tornando o fiel membro da
igreja local, e pressupõe fé e salvação.” (FERREIRA; MYATT, 2007, p. 939).
2.
A RESPOSTA DA TEOLOGIA REFORMADA ÀS
CONCEPÇÕES DOS SACRAMENTOS
Em resposta a dissenção
entre Lutero e Zuínglio, quanto à questão dos sacramentos, o reformador João
Calvino, propõe uma quarta concepção. Esta busca de uma posição intermediaria
entre a concepção luterana de meio de graça e consubstanciação, e a concepção
zuingliana que os sacramentos são somente memoriais. Desta forma, Calvino rompe
com a ideia da consubstanciação de Lutero, afirmando que a ceia é memorial, da
mesma forma que Zuínglio; sendo ela um sinal da aliança da graça. Contudo,
Calvino concorda com Lutero, no fato que os sacramentos são meios de graça,
propondo assim, no caso da Santa Ceia, que há a presença espiritual de Cristo,
no momento da ministração da Ceia à Igreja. Para ele, “embora Cristo esteja nos
céus à destra do Pai, a Ceia não é mero símbolo, mas um meio de “verdadeira
participação” em Cristo” (MATOS, 2008, p.153, 160).
Sendo assim, segundo
Calvino (apud BERKHOF, 2007, p.603) a Santa Ceia “está não meramente à obra
passada de Cristo, ao Cristo que morreu, mas também a presente obra espiritual
de Cristo, ao Cristo que agora vive na glória”. Assim a Ceia do Senhor não é
meramente simbólica, o que a qualifica como meio de graça, pois na realização
dela há o fortalecimento da união espiritual que existe entre os salvos e o seu
Senhor (GRUDEM, 2010, p.805).
Quanto ao batismo, para o
reformado o batismo é sinal e selo da aliança da graça, que dá ao fiel a
certeza das promessas de Deus, sendo e o meio de iniciação da aliança assim
como o sinal da salvação. Contudo o sacramento do batismo não é um mero sinal
externo de entrada na comunidade visível da igreja. Ele aplica as bênçãos que
alcançadas em Cristo pela fé, sendo um meio de graça, pois fortalece, ministra
e sustenta a fé do fiel (FERREIRA; MYATT, 2007, p. 939).
3. SACRAMENTOS
COMO MEIO GALARDOADOR DA “GRAÇA DE DEUS”
Após ter visto que um Sacramento “é uma
cerimônia santa que é tanto um sinal quanto um meio de graça” (MULLER, apud FERREIRA; MYATT, 2007, p. 934).
Cabe neste ponto, observá-lo como “meio de graça”, entendendo o que esta
verdade significa. Isso será feito primeiramente por meio da definição de
“Graça”, e depois da aplicação deste conceito à edificação da Igreja, realizada
pelo Cristo.
O termo χάρις (charis - graça) é utilizado para
designar aquele poder que flui da parte de Deus ou do Cristo
exaltado, e acompanha a atividade dos apóstolos, dando sucesso à missão deles
(At. 6.8; 11.23; 14.26; 15.40; 18.27). A palavra “Graça” é aquela que edifica
os crentes (At 20.32), mesmo quando está presente o sentido de “favor diante
dos homens”, visto que é a iniciativa de Deus que é o favor decisivo (At 2.47;
4.33). Em poucos casos é usada com o sentido exclusivo do favor humano somente
em (At 24.27; 25.3, 9) (ESSER, apud COENEN; BROWN
2009, p.907-915).
Contudo, quando se
utiliza o termo na construção “meios de Graça”, a ênfase recai no favor de Deus
aos homens, favor tal que os homens não merecem. Uma boa definição de “Graça”
diz que esta é a “perfeição de Deus em virtude da qual ele mostra imerecido
favor ao homem, favor de que este fora privado com justiça” (BERKHOF, 2009,
p.70, 401).
É importante destacar,
que a “Graça” é aquela que edifica os crentes (At 20.32). E quando, mencionado
“graça”, relacionado com a expressão “meio de graça”, a ênfase recai na “graça
especial”, que remove o pecado e renova o pecador, em conformidade com a imagem
de Deus. Assim, dizer que os sacramentos são “meios de graça”, significa dizer
que o Espírito Santo, por meio destes dispensa sua graça aos “crentes”. Por
meios de graça, entende-se “meios ordinários, por meio dos quais [Deus] aciona
a sua graça no coração dos pecadores” (BERKHOF, 2009, p. 557, 560).
Estes meios de graças,
não podem por si mesmos conferir graça. Somente Deus, é a causa eficiente da
salvação. Em razão disso na distribuição e comunicação da sua graça, ele pode
agir da forma que lhe apraz, e não necessariamente pelos meios ordinários
instituídos por ele, contudo Deus os utiliza para atender aos propósitos da sua
graça. (BERKHOF, 2009, p. 560).
Aplicando o conceito de
“meios de graça” aos sacramentos, é observada que a graça recebida nos
sacramentos, é a edificação do Senhor àqueles que já são regenerados. Os
sacramentos não são instrumentos para a origem da obra da graça no coração do
pecador. A participação nos mesmos pressupõe a presença da graça de Deus
naquele que participa. E, assim a graça recebida no sacramento não diferente,
da que os crentes recebem pela instrumentalidade da Palavra. Por isso eles não
podem ser desassociados da utilização das Escrituras (BERKHOF, 2009, p. 604).
Tal concepção dos
sacramentos é encontrada na Confissão de Fé de Westiminster, onde sê lê: “Os
sacramentos são santos sinais e selos do pacto da graça, imediatamente
instituídos por Deus para representar Cristo e os seus benefícios” (Cap. 27,
art. 1). Como também, pode-se ver o enfatizar dos sacramentos como meio de
graça, que isto é expresso, da seguinte maneira:
A graça significada nos sacramentos
ou por meio deles, quando devidamente usados, não é conferida por qualquer,
poder neles existentes; nem a eficácia deles depende da piedade ou intenção de
quem os administra, mas da obra do Espírito e da palavra da instituição, a
qual, juntamente com o preceito que autoriza o uso deles, contém uma promessa
de benefício aos que dignamente o recebem (Cap. 27, art. 3).
Conclui-se, portanto, que
os sacramentos, não são meramente ritos memoriais. Mas são além de sinais e
selos do pacto da graça, meios, os quais o Senhor Deus, galardoa sua igreja,
edificando-a para sua própria glória.
REFERÊNCIAS
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 3ª ed. São
Paulo: Cultura Cristã, 2009.
CHAFER,
Lewis Sperry. Teologia Sistemática.
São Paulo: Imprensa Batista regular do Brasil, 1986. Vl. 3.
COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário
internacional de teologia do novo testamento. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2009, v.1,2.
FERREIRA, Frankiln; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise
histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. 1ª ed. São Paulo: Vida
Nova, 2007.
GRUDEM, Wayne. Teologia
sistemática. 1ª ed. Reimp. São Paulo: Vida Nova, 2008.
. Teologia sistemática. 1ª ed. São Paulo:
Vida Nova, 1999.
MATOS, Alderi
Souza de. Período Antigo. Fundamentos da
teologia histórica. 1º ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.