O Desejo de Jesus: A Última Ceia
O
prazer de Cristo em comer com seus amigos é evidente na Escritura. Nosso Senhor
Jesus demonstrou, em várias oportunidades, que tinha alegria em manter um
relacionamento próximo com seus amigos ao redor da mesa. Ele, o Deus encarnado,
não se distanciava da convivência com seus discípulos; antes, encontrava na
mesa um ambiente oportuno para o ensino, o consolo e a expressão do amor.
Ao
longo dos evangelhos, vemos que Jesus não apenas participava de refeições, mas
as usava como ocasião para manifestar sua graça. Ele se sentava à mesa com
pecadores, com publicanos, com seus discípulos (cf. Mt 9.10; Mc 2.15-16;
Lc 5.29-32), com amigos íntimos como Lázaro, Marta e Maria (Jo
12.1-2), e até com fariseus (Lc 7.36-50). A mesa era um lugar importante no
ministério de Jesus.
Para
os judeus do primeiro século, partilhar uma refeição era um ato muito
significativo. Sentar-se à mesa com alguém era um gesto de amizade e aliança.
Um judeu não convidava qualquer um para sua mesa — apenas amigos íntimos,
parceiros de confiança ou membros da família. Casamentos, parcerias comerciais
e reconciliações, tudo se firmava à mesa. A refeição era um símbolo de comunhão,
fidelidade e relacionamento pactual.
Diante disso, torna-se ainda mais impressionante lermos em Lucas 22.15: “E disse-lhes: Desejei ansiosamente comer esta páscoa convosco, antes do meu sofrimento.” A expressão usada por Jesus revela não apenas uma disposição, mas um anseio por esse momento. O texto grego, nesse versículo, enfatiza um desejo duplo, onde literalmente é dito “com desejo desejei”, repetição que aponta para intensidade desse sentimento: “desejei muito”, “desejei ansiosamente”.
Essa
Última Ceia, foi celebrada na noite anterior à crucificação, aconteceu no
contexto da refeição pascal. Jesus e seus discípulos subiram a Jerusalém como
era o costume durante a festa da Páscoa (cf. Jo 2.13; 5.1; 6.4; 11.55).
Durante seu ministério, Jesus participou de todas as festas anuais, cumprindo
plenamente a Lei. Contudo, havia algo diferente nessa última. Não era apenas
mais uma celebração da libertação do Egito — seria o início do cumprimento da
libertação definitiva do pecado e da morte, através do seu próprio sacrifício.
Aquela
Ceia não foi apenas uma refeição final. Foi um momento de ensino, consolo e
intercessão por seus discípulos. Conforme registrado por João, do capítulo 13
ao 17 de seu evangelho, Jesus inicia esse momento lavando os pés de seus
discípulos (Jo 13.1-17) e finaliza orando por seus discípulos e por todos que
viriam a crer através do ministério deles (Jo 17).
Durante
a Ceia, Jesus também identificou o traidor (Jo 13.21): Judas, que partilhava do
pão, levanta-se e sai. Em seguida, Jesus ensina sobre o novo mandamento: “Amai-vos
uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13.34). Ele também consola os
corações: “Não se turbe o vosso coração...” (Jo 14.1), prometendo
preparar lugar para os seus e enviar o Consolador, o Espírito Santo (Jo
14.16-17). Em meio ao anúncio da traição e da cruz, Jesus preocupa-se com o
consolo de seus amigos.
No
capítulo 15, Jesus usa a imagem da videira e os ramos: “Eu sou a videira
verdadeira... permanecei em mim” (Jo 15.1-4). Ensina sobre dependência,
comunhão contínua e frutificação espiritual, pois conforme suas palavras: “Sem
mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Depois, alerta sobre as perseguições (Jo
16.1-4) e termina esse bloco com uma promessa: “No mundo tereis aflições;
mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (Jo 16.33).
A
Ceia é encerrada com a oração sacerdotal de Jesus, conforme registrada em João
17. Ali, o Senhor intercede por si, pelos seus discípulos e por todos os que
creriam nele. Pede unidade, santificação e que estejam com Ele na glória. É uma
oração que revela o coração pastoral de Cristo. Ele ama os seus até o fim (Jo
13.1), e a mesa é o cenário desse amor profundo.
Durante
essa refeição maravilhosa, que ficou conhecida como “eucaristia” (termo que
significa “ações de graças”), Jesus instituiu uma santa ordenança — um
sacramento — para que todos os seus discípulos pudessem rotineiramente se
lembrar de seu amor sacrificial. O pão e o vinho são assim como símbolo, pois,
a partir dessa Ceia, tornam-se sinais do seu corpo e sangue, apontando para a
nova aliança que Jesus instaurou na cruz (cf. Mt 26.26-28; Mc 14.22-24;
Lc 22.19-20; 1Co 11.23-26). E, dessa forma, Ele não apenas come com os
discípulos — Ele os convida a se alimentarem dele, pela fé.
A
Ceia se torna, então, um memorial eterno da redenção por seu sacrifício, e um
selo da aliança da graça. A teologia reformada, por sua vez, também compreende
a Ceia como um meio de graça. Cristo se faz espiritualmente presente no meio de
sua igreja — não nos elementos — utilizando-se desse rito memorial para
infundir graça sobre seu povo, alimentando nossa fé e fortalecendo nossa união
com Ele. A Ceia, assim, não é apenas símbolo, mas sinal eficaz da comunhão com
o Salvador e com a igreja, e um meio precioso de graça.
Na
mesa do Senhor, somos lembrados de que pertencemos a uma nova família, reunida
não por laços de sangue humano, mas pelo sangue do Cordeiro. A igreja, corpo de
Cristo, encontra-se à mesa para se lembrar de sua identidade, missão e destino.
Ao comer o pão e beber o cálice, proclamamos a morte do Senhor até que Ele
venha (1 Co 11.26). E Ele virá — para nos levar ao banquete eterno das bodas do
Cordeiro (Ap 19.9).
Jesus
tinha prazer em comer com seus amigos. Desde os jantares em casas simples até o
banquete final com seus discípulos, Ele nos mostra que o Reino de Deus é
celebrado à mesa. O evangelho é uma boa nova que convida pecadores a se
sentarem à mesa do Rei, lavados por sua graça, alimentados por sua Palavra,
unidos pelo seu Espírito.
E,
ainda hoje, Cristo convida: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir
a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele, e ele
comigo” (Ap 3.20). Esta é uma promessa de comunhão restaurada, para
aqueles que são de Jesus, para sua igreja. Cristo deseja cear com seus amigos.
Ele se aproxima, não com condenação, mas com perdão e graça, oferecendo-se como
o alimento que satisfaz eternamente.
Portanto,
quando nos sentamos à mesa do Senhor, devemos lembrar que estamos diante de um
convite de amor. A Ceia não é apenas rito — é comunhão com o Cristo vivo. Ele
nos serve com seu perdão, nos consola com sua presença, nos fortalece com sua
promessa. E um dia, enfim, participaremos da grande Ceia no Reino dos Céus. O
prazer de Cristo em comer com seus amigos será pleno, eterno e glorioso. Ali,
não haverá mais traição, nem lágrimas, nem morte — apenas alegria perfeita,
comunhão ininterrupta e adoração sem fim.
Você
já desfruta desse prazer de sentar-se à mesa do Senhor? Ao observar o
desejo profundo de Jesus de comer com seus amigos, que você compreenda não
apenas a importância desse momento na vida cristã, mas também o privilégio que
é, para nós, pecadores, sentar-nos com Cristo e todos os santos para a mais
preciosa das refeições — a graça de nosso Deus. Que essa verdade nos leve a
amar mais a Cristo, a desejar mais estar com Ele e a valorizar cada momento à
sua mesa, onde Ele mesmo se oferece como nosso alimento espiritual e alegria
eterna.